Nada é por acaso



Chovia. Manhã fria. Inverno no Sul. Vento assoviando por entre os vidros da janela.

 As folhas das árvores dançavam num sincronismo embalado pelo vento.

Ana olhou para o relógio.

“Droga. São sete horas.”

Foi ao banheiro. Tomou seu banho. Espiou pela janela.

 Foi até a cozinha. O café preparado às pressas. 

Não podia pegar muito trânsito. Aquele seria um dia importante.

Vestiu seu casaco vermelho. Gorro de lã. Na saída pegou o guarda-chuva com desenhos de gatinhos.

Ao chegar à garagem do prédio percebeu que a cidade já havia acordado e seguia seu ritmo frenético.

Sentou-se no carro, resignada. Enquanto dirigia observava a paisagem. Pessoas caminhavam apressadas pela calçada, desviando-se das poças formadas pela chuva.

 As ruas eram arborizadas e as casas bem cuidadas. A cidade ficava ainda mais bonita com o clima de inverno.

 Um sentimento de gratidão invadiu Ana.

No trabalho estava agendada uma reunião com grandes empresários. Havia um novo empreendimento na cidade.

Ana formou-se em administração, especializou-se em Gerenciamento e Recursos Humanos, construindo uma empresa nesta área. Comprou um apartamento em um dos bairros mais desejáveis da cidade. Estava realizada.

Ana não sentiu imposição da família para a escolha da profissão ou para casar-se. Foi em busca de seus sonhos. Contudo era desejo dos pais que Ana se casasse e tivesse filhos. Desejavam netos. Ana possuía impulsos de somente ela controlar sua vida. Apreciava a liberdade.

O que Ana não podia prever é que, em um dia chuvoso, iria conhecer o tão consagrado e envolvente Amor.


 Ao chegar ao escritório Ana emitiu orientações à sua secretária e foi comunicada que o grupo de empresários já a aguardava no seu gabinete.

Seria mais um dia de trabalho. Com infindáveis discussões e negociações. “Devem ser todos senhores de idade, carecas e barrigudos”, pensou esboçando um leve sorriso irônico.

Entrou na sala. Cumprimentou a todos sem prestar atenção a aparência dos presentes. A secretária trouxe bebidas e aperitivos. O ambiente era agradável, embora na rua estivesse chuvoso e frio.

Ao acomodar-se Ana reparou no grupo á sua frente. Eram jovens empresários, empreendedores. Bem vestidos e de fino trato. Um deles lhe chamou a atenção em especial.

Finalizando a reunião acertaram que a empresa de Ana, ABF Talentos/AS, especializada em recrutamento, seleção, treinamentos, gestão de estagiários, cargos, salários, diagnóstico organizacional e coaching em desenvolvimento humano faria a seleção dos funcionários do novo empreendimento. Um hotel executivo em uma área nobre da cidade.

A ABF Talentos/AS faria toda a seleção, desde o começo da obra até o funcionamento do hotel. Ana ficou certa que teria, juntamente com sua equipe, muito trabalho. Não teria tempo para se envolver emocionalmente com outra pessoa. E depois já se considerava sem paciência para namorar. Havia passado dos trinta anos e apesar de alguns namoros passageiros nunca se apaixonou de verdade.

Mas... aquele empresário a impressionou de um jeito diferente. “Deve ser o seu entusiasmo pelo trabalho”. Pensou e tentou desviar o pensamento, fazendo os últimos apontamentos sobre a reunião.

Quando o grupo saiu Ana ficou só e foi até a janela. Observou quando alcançaram à rua. Viu o rapaz desaparecer, enquanto se misturava ao aglomerado de pessoas até o estacionamento mais próximo. Ana divagou. Seu olhar e pensamentos se perderam no tempo. Foi despertada pelo toque na porta. A secretária anunciava uma nova reunião. Uma entrevista para emprego.

Sempre que estava só Ana não conseguia se concentrar no trabalho.

O que estaria acontecendo? Ficar encantada com alguém que mal conhece.

No final do dia enquanto voltava para casa, sentiu-se, pela primeira vez, solitária. Uma solidão pesou-lhe brutalmente. Estava faltando algo. Mas o que seria? Tudo estava tão certo. Como sempre planejou e sonhou.

Olhou para as pessoas à sua volta. Casais sorriam e caminhavam abraçados protegendo-se da chuva.

Os colegas convidaram para irem juntos ao barzinho Skina, mas ela não estava disposta e preferiu ir para casa, culpando o clima. Eles não sabiam que em seu intimo Ana estava contaminada pelo impacto do amor, que semeava seus pequenos grãos para mais tarde florescer. Ana também não sabia.

Ana voltou a se encontrar com o jovem empresário e apesar de ser atencioso, discutia apenas assuntos ligados ao trabalho.

Ana se sentia inquieta, mas mantinha seu profissionalismo. Ele deve ser atencioso com todos. Não podia e não se permitia ter ilusões.

Leonardo, o jovem empresário observava Ana, enfeitiçado por sua beleza e brilho. Amou-a sinceramente desde o primeiro momento em que a viu. Ansiava  por seus encontros, mesmo que com o intuito profissional. Sentia que a amava e desejava.

Já tinha se passado um tempo e ambos construíram uma amizade pela convivência no trabalho. Mas ambos não queriam ser apenas amigos. Intuído pelo carinho que sentia, quando o empreendimento estava finalizado e a empresa de Ana havia cumprido o contrato, Leonardo convidou-a para jantar.

Leonardo comprou flores e foi ao encontro de Ana. Era verão e a noite estava com temperatura agradável.

Após o jantar e embalados pelo vinho os dois se amaram intensamente naquela noite, marcando um reencontro comprometidos pelos laços sublimes do amor.

 

 

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